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sábado, 6 de outubro de 2012

A parte que nos cabe neste latifúndio...

Fui apresentado à obra de João Cabral de Melo Neto meio que por obrigação. Sua fantástica "Morte e Vida Severina" foi indicada para o Vestibular 1980 da UFMG, que eu ainda no segundo ano do ensino médio, fiz como "treineiro". Confesso que até então nunca fui muito chegado a poemas, talvez pela falta de incentivo para entender essa produção magnífica. "Morte e Vida Severina" mudou minha forma de ver a poesia. Não precisa ser apenas lírica, romântica, utópica e inefável. Poesia pode ser dura, forte, "um tapa na nossa cara". Reli "Morte e Vida" várias vezes. 
No ano seguinte, também por obrigação dos vestibulares, fui apresentado a outros ícones, entre eles um tal de Fernando "Encontro Marcado" Sabino, Autran "Sinos da Agonia" Dourado, Mário "Vila dos Confins" Palmério (que inclusive sempre lembro em épocas eleitorais por mostrar como funciona(va) o coronelismo na compra de votos), Afonso "Pelo Sertão" Arinos (onde consta o "Buriti Perdido", texto que existia na placa junto aos buritis da Lagoa Paulino) e a já conhecidíssima Cecília "Romanceiro da Inconfidência" Meireles
Lamento muito a exclusão da leitura obrigatória de obras no NOVO ENEM. Vergonhoso! 
Também vejo minha filha hoje lendo uma dúzia de livros por ano na escola, sem que o professor sequer faça um comentário sobre a obra, sobre o que há por trás daquele texto (na verdade, boa parte é leitura quase recreativa, de valor literário duvidoso.) Felizmente a baixinha adora ler e devora livros calibrosos por conta própria... mas na verdade eu gostaria de vê-la sendo apresentada a esse tipo de literatura: de explicação, provocação, leitura e releitura das entrelinhas. Ler por ler? Para ocupar o tempo?
Li com minha filha o trecho abaixo de "Morte e Vida Severina", enquanto assistíamos ao vídeo. Acho que ela ficou sensibilizada. Em alguns segundos ela, com seus 13 anos, conseguiu entender certas expressões que ainda não tinha condições de entender mas que o tempo todo cai sobre sua cabeça nas aulas de geografia-que-se-confunde-com-história. Expressões como latifúndio, regime escravo, reforma agrária e por aí vai. 
Permitam-me um parênteses: - Caramba, na minha época geografia era geografia e história era  história. Primeiro a geografia física (o relevo, a vegetação, o clima), depois a população, a energia, os recursos naturais, a indústria e, com o andar da carruagem da história, lá no final, as discussões sobre tópicos mais complexos e que necessitam de uma boa dose de maturidade (senão vira decoreba) acerca dos sistemas econômicos e políticos. Que zona que virou isso! Está a geografia a falar de socialismo e capitalismo enquanto a história ainda está discutindo a colonização da América. Está a geografia a falar de Guerra Fria, sem que a história tenha sequer mencionado a Segunda Guerra Mundial. Parece até uma situação contra a qual me rebelei e recusei-me a seguir a programação oficial em uma das escolas que lecionei: começar a biologia pela genética! 
Voltando ao assunto, vai aí então a homenagem a um dos brasileiros que merecia um Nobel de Literatura.


Essa cova em que estás, 
com palmos medida, 
é a conta menor 
que tiraste em vida. 

é de bom tamanho, 
nem largo nem fundo, 
é a parte que te cabe 
neste latifúndio. 

Não é cova grande. 
é cova medida, 
é a terra que querias 
ver dividida. 

é uma cova grande 
para teu pouco defunto, 
mas estarás mais ancho 
que estavas no mundo. 

é uma cova grande 
para teu defunto parco, 
porém mais que no mundo 
te sentirás largo. 

é uma cova grande 
para tua carne pouca, 
mas a terra dada 
não se abre a boca.


(João Cabral de Melo Neto, in Morte e Vida Severina)

PS.: O vídeo é um trecho de um especial produzido pela Rede Globo de Televisão, num de seus momentos de lucidez.

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